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A Loira da Caravan

Mauricio Pereira

Foi voltando pela estrada
de um show em Bauru
era quase meia-noite
e eu cansado pra xuxu
ao meu lado Paulo Freire
violeiro sem igual
testemunha incontestável
dessa história abismal

numa curva lá da serra
descendo pro rio Tietê
o carro desgovernou
sem que eu soubesse por quê
capotou 5 ou 6 vezes
achei que nós ia morrer
foi bater numa mangueira
eu só vi manga descer
.....
o Paulinho olhou pra mim
vi que ele estava bem
tocou a sua viola
que soava bem também
fui andando até a estrada
para procurar ajuda
e uma caravan parou
com uma dona cabeluda

sua voz era bonita
muito rouca e sensual
logo me envolveu com os braços
perguntou: "cê tá legal?"
a noite era muito escura
e não dava bem pra ver
mas que ela tava gelada
isso eu pude perceber
.....
eu fiquei arrepiado
bem no meio do verão
seus lindos cabelos loiros
não sentiam compaixão
eu fiz o sinal da cruz
mas aquela cortesã
já estava me arrastando
para a sua caravan

ainda estava atordoado
pela bruta colisão
inclusive preocupado
se o Paulinho estava bom
ela me beijou na boca
"não preocupa com ele, não:
vamo namorá gostoso
nessa baita escuridão"
.....
eu achei interessante
ela me beijar sem dó
só que os beijos que ela dava
tinha gosto de jiló
porém noite igual aquela
não acontece todo dia
'proveitei bem o momento
pra namorar a vadia

a sua pele macia
fez o meu sangue subir
suas pernas me enrolava
feito uma sucuri
fui beijar o seu pescoço
ela veio me impedir
"nunca olhe no meu olho"
ela disse para mim
.....
nós já estava no bembom
pitando um bom cigarrinho
o remorso me acordou
"xi, eu esqueci do Paulinho!"
o coitado lá no carro
no fundo da ribanceira
e eu aqui me divertindo
já passou uma noite inteira

sem querer pulei pro lado
qualquer coisa eu enganchei
e o cabelo brilhante
por acaso eu arranquei
"a mulher não tem cabeça!"
e voou pra a eternidade
o carro sumiu também
eu juro que isso é verdade
.....
mas que cena horripilante!
fui pensando no caminho
vão dizer que eu tou maluco
que é que eu falo pro Paulinho?
e é então que eu vejo ele
tocando seu instrumento
pruma moça que dançava
pulando que nem jumento

eu gritei "nossa senhora!
sai de mim alma penada!"
comé que isso é possível
se inda agora lá na estrada
vi ela sair voando
bufando descabelada
com sua caravan de prata
'tropelando a madrugada
.....
foi então que aquela cena
outra vez aconteceu
uma corda da viola
enroscou o cabelo seu
a loira saiu voando
cabeça não tinha ali
eu fiquei de boca aberta
Paulinho também, que eu vi

nós ficamos em silêncio
empurramo o carro pra estrada
movimento se formando
já raiava a alvorada
inda sem dizer palavra
fomos voltando pra casa
com o coração por dentro
consumindo feito brasa
.....
num posto de gasolina
na cidade de Pardinho
fomos tomar um café
espertar devagarinho
de repente um sentimento
que sobrou daquela noite
foi se apresentando claro
estralando feito o açoite

não tem mesmo escapatória
capricho da natureza
ver que o destino do homem
é confrontar com a tristeza
de arrastar essa saudade
densa, turva, escura, espessa
de querer beijar a boca
de uma loira sem cabeça


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